Este homem que conheci nas ilhas do pacifico tinha
como identificação ‘avant la lettre’, a sua aparência. Não era um Ilhéu normal, nem Africano nem Asiático só, era negro com laivos de
azul, olhos azuis e verdes amendoados, cabelo loiro encaracolado, magro e seco, com cerca de metro e noventa de altura.
Quando o vi fiquei a pensar se aquele gigante não era um ‘punk’ do sitio ou algum janado de uma tribo desconhecida,
nesta altura estava eu a saborear um caranguejo enorme com casca mole, o 'janado' aproximou-se de nós para nos dar um
‘flyer’ com publicidade a um bar com musica pela noite. Assim que nos deixou foi ele o
tema da conversa, ficamos todos a pensar que se tratava de maquilhagens
modernas e de um ‘artista’ da noite.
Mais tarde fui
fazer caça submarina com uma lança, as armas de outro tipo estavam proibidas naquele sitio. O mar da Polinésia é lindo e perigoso, não é para turistas nem para curiosos como eu.
Aparentemente lavado e despoluído com um fundo
azul turquesa difícil de replicar devido às rarefações dos raios de sol, com uma temperatura formidável para quem se banha, nuvens espaçadas muito brancas, a areia a condizer, os corais que profusamente nos engaiolam para onde quer que nos viremos. Se não avistarmos um pequeno detalhe mortífero como uma pequena medusa ou cobra ou um detalhe em formato de tubarão é uma visão paradisíaca que nem o mar dos Açores poderá igualar.
Numa destas voltas em apneia vi aquele mesmo homem apanhar um peixe com uma lança semelhante só que a razar o fundo num tracejado ofídio até ao movimento rápido que apanhou o peixe, sem deixar a lança emergiu. Foi aí que nos conhecemos.
Numa destas voltas em apneia vi aquele mesmo homem apanhar um peixe com uma lança semelhante só que a razar o fundo num tracejado ofídio até ao movimento rápido que apanhou o peixe, sem deixar a lança emergiu. Foi aí que nos conhecemos.
Eu estava cansado e depois de ver tão bom peixe
caçado com aquela destreza, sai do mar e deitei-me na areia branca sem remorso nem
glória. Minutos passados estávamos a falar francês sobre mar, peixes, comida, musica e por ai fora, o homem tinha um
andamento para lá das ilhas era uma representação humana de Shiva,
embora vivendo ali no paraíso das bombas atómicas, culto e viajado, a sua
vida era o ‘surf’, o mar o seu palco, pela noite fazia de ajudante do dono do
bar de quem era parente, servindo os amigos e conhecidos, conversando, dançando, não
bebia álcool mas adorava mulheres e um charro.
Jerome ou ‘Jaba’ era neto por parte do pai dum chefe
zulu e de uma nubia que era princesa, dum chefe maori e de uma holandesa que
era Orange da casa real Holandesa, pela Mãe era neto de um casal de Australianos, ele médico
ela enfermeira, de um americano que fez a WW2
e uma japonesa de Nara. É obra.
O jaba tinha nascido para as mulheres, elas estavam
presentes sempre, tinha uma delicadeza com todas que me espantava pois havia
todo o tipo de personalidades, apenas o seu modo não mudava, falava
baixinho, olhos a rir, imperceptível
para quem estivesse perto, fazia uma dança de pés assentes enquanto falava, não perdia tempo, dava beijos na cara na mão, mexia no cabelo delas com a delicadeza dum ourives. Ouvia-as com uma paixão genuína. Elas eram dele.
Connosco só o apanhávamos em conversa relaxada
quando fumávamos uma erva que ele tinha, não sei de onde vinha só que tinha um aroma daqueles, de resto o Jaba podia filosofar numa linha profundamente Hindu sem que fosse religioso ou proselitista.
As pedradas pela noite davam uma profundidade espacial às dimensões da vida criando emoções e sentimentos despidos de hipocrisia e de engenharia social.
As idas ao mar pela noite eram de barcaça nunca sem fatos de mergulho, porque à noite aqueles mares ficam infestados de animais que nos matam sem querer, é cobras, medusas, tubarões, peixes do jurássico, monstros camuflados a caçar. Naquelas noites de luas que nos tocam a pele, soprei ao vento as emoções e quis que todo o mundo sentisse o que eu estava a sentir. O Medo e a Glória ultrapassados pela paixão extraterrestre de viver com todo o cosmos dentro do eu.
As idas ao mar pela noite eram de barcaça nunca sem fatos de mergulho, porque à noite aqueles mares ficam infestados de animais que nos matam sem querer, é cobras, medusas, tubarões, peixes do jurássico, monstros camuflados a caçar. Naquelas noites de luas que nos tocam a pele, soprei ao vento as emoções e quis que todo o mundo sentisse o que eu estava a sentir. O Medo e a Glória ultrapassados pela paixão extraterrestre de viver com todo o cosmos dentro do eu.
De dia não existe esta azáfama embora os
perigos estejam todos lá, só que temos a luz do dia para nos sossegar e iludir, ser vistos e ver, pese
embora estes predadores não precisem de luz para nos sentir na água. Não é um paraíso, paraíso seria o Algarve em Portugal, sem cimento e bandidos, mas é uma bela demonstração da natureza pródiga.
Num desses dias no Tahiti, tive uma espécie de
gastrite e tive de pedir ajuda, fui para o dispensário daquela zona levar
soro, antes que o especialista entrasse, chega o bom do Jaba preocupado levou-me na sua carrinha para o bar o
ultimo sitio onde me apetecia estar, deu-me de beber uma coisa muito amarga, muito
mesmo, de repente estava sem sentir coisa alguma no aparelho digestivo, bom
humor e com uma pedalada que não me era nada natural, à minha pergunta tive a
noticia que tinha bebido katabombe.
Uma mistura composta por veneno de peixe balão, uma quantidade minima, uma mistura
de algas vermelhas e verdes escuras trituradas, raiz de bananeira triturada com
gengibre, casca de manga verde e o interior da semente tudo triturado, o
veículo foi água de coco. Brrr, um pavor maravilhoso que deu um dia bem energético.
O Jaba tornara-se um amigo, pelo que soube fez
milhares de amigos simplesmente sendo prestável e simpático, era mesmo assim.
Num dia ao por
do sol uma turista japonesa ia-se afogando, na aflição, o Jaba atirou-se ao mar ainda os nadadores
salvadores não tinham dado pelo caso.
Ao trazer a mulher, a família desta correu para a beira
mar. O Jaba trazia a mulher ao colo, deitou-a na areia de lado, estava cheia
de água, mas não perdeu a consciência de todo, meio aparvalhada regurgitava em
pequenas convulsões, o marido dela não deve ter gostado de a ver no colo do bom
do Jaba, pois ao estar restabelecida e
após as vénias de agradecimento a rapariga deu um grande beijo na cara ao
seu salvador ao que o marido aos gritos de ‘damen’ com os braços a cruzarem-se
como uma tesoura investiu na atmosfera do Jaba que só se baixou rodando as
pernas fazendo com que o homem desse uma cambalhota por cima dele em projecção,
ficou de barriga para cima e já não se levantou pois o Shiva apontava-lhe o indicador como a avisar, o pobre olhava para a mulher, e numa série de gestos como
quem diz , e agora ? não se notou violência nenhuma, só gestos de beiços, dedos e magia.
Após breves
minutos de falatório em japonês o dito já era amigo do Jaba e nossa companhia
na praia, na noite e até nas pedradas, era o seu nome Airo Honda e a mulher
Yukiko.
Do temperamento conservador e selectivo dos
nipónicos, Jaba tinha feito uma omelete de emoções e sentimentos que colavam as
pessoas àquela vida cheia de todo o planeta.
Os dias nestas ilhas passam devagar e as semanas
passam a fugir, quando fomos embora não houve saudade antecipada nem ansiedade,
existiu sim um agradável sentimento que ainda não tinha conhecido e que não era
amor nem amizade, era ternura e carinho adultos, tão só, como se o meu mundo
tivesse sido afagado, soprado por deus, como um pai sopra nas ventas dum filho bébé e ele esperneia de vida, é muito bom conhecer humanos que são especiais
porque tem dentro deles a paixão pela vida dos outros. Gente bonita.